Neste ano de eleições majoritárias, há queda do interesse geral por política entre os eleitores brasileiros, impulsionada especialmente pela falta de compreensão sobre o sistema político. É o que aponta o estudo Panorama Político 2022: opiniões sobre a sociedade e democracia, elaborado pelo Instituto DataSenado, com colaboração da Universidade de Brasília (UnB).
Há 10 anos, pesquisa quantitativa do DataSenado indicava que 63% dos brasileiros tinham interesse em política, percentual que caiu a 53%. Mas o número — que se divide em 18% com alto interesse e 35% com interesse médio — ainda é relevante. Para os eleitores entrevistados, um dos motivos do desinteresse é o baixo nível de conhecimento sobre o sistema político, atrelado a deficiências no ensino, que não transmite informações sobre o tema de forma clara. O sentimento de desilusão também foi citado, assim como a percepção de que os atores políticos buscam manter a população alienada dessas questões.
"É uma coisa que é pouco falada, a gente aprende lá no primário, lá no ensino fundamental, e pouco se fala. Quando existe conversa, talvez seja em grupos restritos, em academias, faculdade, mas quem não estiver nesse contexto, dificilmente no dia a dia se fala”, exemplifica um eleitor de Salvador (do grupo etário entre 25 a 40 anos) entrevistado no estudo.
— O eleitor diz que não recebeu educação política, não entendeu como funciona o sistema político, quer que isso mude, mas não sabe como. Então é um momento complicado na cabeça do eleitor brasileiro — afirma a diretora da Secretaria de Transparência do Senado, Elga Lopes.
Ao procurar delinear um panorama da opinião pública nacional, a pesquisa explorou temas que possivelmente terão impacto nas eleições de 2022. Os eleitores manifestaram-se sobre assuntos como situação do país, acesso à informação e fake news, conhecimento sobre o Senado e os demais Poderes, relação entre religião e política e questões sociais.
Pela primeira vez, foi desenvolvida pesquisa qualitativa sobre o tema. Quinze grupos focais, distribuídos nas cinco capitais mais populosas de cada região — Brasília, Curitiba, Salvador, São Paulo e Manaus — reuniram eleitores para participar da coleta de dados no período de 2 a 14 de dezembro de 2021.
Outra frente do estudo é a pesquisa quantitativa, que vem sendo promovida pelo DataSenado desde 2008. O levantamento envolveu 5.888 cidadãos acima de 16 anos, com representatividade em todos os estados. Os questionamentos foram aplicados de 18 de novembro a 14 de dezembro de 2021. A margem de confiança é de 95%.
— Quisemos fazer uma amostra grande, porque mesmo em assuntos específicos dentro da pesquisa teríamos uma quantidade de entrevistas suficiente para não ter uma margem de erro muito grande — explica Elga.
No site do DataSenado foi disponibilizado, inclusive, um painel interativo, para que os interessados possam cruzar dados e comparar as respostas atuais com números de pesquisas anteriores.
Televisão (37%), redes sociais (24%) e páginas na internet (23%) são os principais meios de comunicação na busca de informações sobre política. Nas redes sociais, a maior procura é pelo Facebook (35%) e pelo Instagram (27%). Apenas 14% dos entrevistados dizem seguir algum senador nas redes sociais.
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Entre os grupos focais, as redes sociais e os portais jornalísticos se sobressaem, especialmente entre os mais jovens, enquanto a TV atrai a faixa etária mais avançada.
“No entanto, o uso da TV como meio de informação divide opiniões no estudo qualitativo. A maior parte dos entrevistados avalia que a TV é tendenciosa e distorce as informações para atender interesses de determinados grupos econômicos e políticos. Ao contrário da internet, que permite ao cidadão buscar informações livremente, a TV é vista como manipuladora. Como consequência, gera uma falta de credibilidade em uma parcela dos entrevistados”, aponta o relatório do DataSenado.
Pelo menos 72% dos brasileiros já viram, leram ou ouviram notícias políticas que desconfiam serem falsas. A pesquisa mostrou que é mais comum receber notícias aparentemente não verídicas entre os que acessam as redes sociais (74% deles dizem receber esses conteúdos) com relação aos que não as utilizam (64%). Entre os usuários de redes sociais, pelo menos 20% confirmam utilizá-las para conversar sobre política.
Em 2018, a disseminação de notícias falsas durante a eleição acendeu um alerta, segundo a professora do Instituto de Ciência Política da UnB Marisa Von B?low.
— Houve um aumento muito importante sobre a consciência que as pessoas têm sobre fake news. E não era assim há pouco tempo. Antes de 2018, menos de um quarto dos entrevistados apontava que tinha tido acesso a notícias políticas que desconfiavam serem falsas. Hoje isso se inverteu, com três quartos dizendo que sim — afirma Marisa.
Outro aspecto relevante é o fato de os entrevistados apontarem que as principais fontes de disseminação de fake news são amigos e familiares, totalizando 73% dos casos.
— Essas notícias vinham de pessoas das nossas comunidades e automaticamente eram aceitas como verdadeiras, mas isso mudou. A pesquisa mostra que as pessoas estão aprendendo a ter mais filtros, estão mais questionadoras e mais críticas. O fundamental é checar, principalmente, antes de disseminar — expõe a professora da UnB.
Quando perguntados sobre como não ser enganado por uma notícia falsa, entrevistados citaram os portais de notícias de grupos tradicionais de comunicação ou o noticiário televisivo como fonte mais segura para averiguação de notícias — o que contrasta com a percepção de que as mídias tradicionais são tendenciosas, observa o estudo. Alguns participantes citaram também as plataformas de checagem de fatos como referência positiva para tirar dúvidas sobre informações.
Os eleitores brasileiros têm como principais premissas na escolha de seus candidatos ao Senado o combate à corrupção (38%), o “cuidar bem” do estado (29%) e a renovação política (11%). Na análise qualitativa, os entrevistados apontaram como perfis desejados de políticos uma formação mínima para a ocupação do cargo.
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A pesquisa quantitativa apontou crescimento no percentual dos brasileiros que acompanham o que está sendo debatido no Senado (84%), dos quais 29% afirmam fazê-lo com muita frequência e 55%, com pouca frequência.
Esses números convergem para uma participação mais ativa no Parlamento, com a manifestação da opinião de parte dos entrevistados em consultas públicas disponibilizadas no site do Senado ou por outros meios.
Acompanhar as notícias e ter interesse em política não auxiliam a maior parte dos eleitores ouvidos (58%) a recordar em quem votou para senador na eleição passada.
— Com relação à eleição ao Senado, historicamente, é o cargo mais distante do eleitor. Não é como o governador, que está todo dia ali no estado (...) O que leva o eleitor a responder que não lembra em quem votou na eleição passada. Importantíssima essa informação para os senadores que estão no cargo e vão disputar a reeleição, porque a eles é atribuída a obrigação de se reaproximar desse eleitor, de fazer um balanço do que ele fez para se credenciar novamente ao cargo — diz a diretora da Secretaria de Transparência do Senado.
Discussões feitas nos grupos focais apontaram que há falta de clareza em relação às atividades do Senado — em especial, confundem o que é feito na Casa e na Câmara dos Deputados. O principal motivo: a complexa linguagem utilizada.
"Senadores representam o estado. Deputados representam a população. Eu gosto de acompanhar, mas confesso que a diferença de uma para outra eu tenho dificuldade de entender", sintetiza um cidadão (41 a 60 anos) de Brasília.
Apesar disso, os eleitores reconhecem a função de fiscalizar do Parlamento, assim como o papel do Legislativo como ferramenta fundamental de governo.
"Porque o presidente não governa sozinho, se ele não tiver o apoio do Legislativo’, afirma uma eleitora (25 a 40 anos), também da capital do país.
— O brasileiro percebe, sim, e tem opiniões muitas vezes sensatas. Está muito claro que o cidadão quer que o senador fiscalize, que combata a corrupção — aponta Elga.
Questionados sobre as emendas parlamentares, 69% dos entrevistados dizem já ter ouvido falar. Dentre esses, porém, 87% assumem que sabem pouco ou nada. Somente 11% afirmam saber muito a respeito.
Para 67% dos brasileiros, a democracia é a melhor forma de governo. Apesar disso, quando questionados sobre o atual nível de satisfação com esse regime político, 87% consideram-se pouco ou nada satisfeitos. A forte desigualdade social foi apontada pelos eleitores como obstáculo à plena democracia.
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— A pesquisa mostrou que 67% dos brasileiros apoiam a democracia como melhor forma de governo. Esse é um dado que mostra mais do que o apoio consensual à democracia. O mais interessante é que não mostra apoio a qualquer tipo de ruptura antidemocrática. Isso é muito importante — pontua Marisa.
Os eleitores também estão insatisfeitos com a grande quantidade de notícias falsas propagadas em meios digitais. Um ordenamento jurídico que coíba as fake news é essencial para qualificar o processo democrático, segundo os entrevistados.
"Eu acho que o que atrapalha um pouco a opinião e o esclarecimento de algumas coisas é fake news, as mentiras. Isso deveria ser crime e levado um pouco mais a sério porque há briga política, um inventa história do outro e distribui aquelas mentiras e fica por aquilo mesmo", expõe um eleitor de Salvador (41 a 60 anos).
Na pesquisa quantitativa, a maior parte dos eleitores (66%) demonstra confiar nos resultados das urnas eletrônicas.
— 32% desconfiam da urna eletrônica. Essa porcentagem é alta. Não dá para minimizarmos a importância desse problema, são milhões de eleitores que podem se sentir no mínimo desmotivados a ir votar ou que podem vir a questionar os resultados eleitorais. A pesquisa acende um sinal de alerta — afirma a professora da UnB.
A maioria (60%) discorda da afirmação de que “em algumas situações, o voto de pessoas como você vale mais do que o voto de outras pessoas”.
Num cenário em que 82% dos eleitores declaram que a religião é muito importante em sua vida, 52% acreditam que, na hora de fazer leis, os políticos devem levar em conta o que dizem as tradições religiosas. Mas para igual percentual (52%), não é bom para o país quando líderes religiosos assumem cargos políticos.
A maioria (58%) também afirma que a religião não tem influência nas suas escolhas políticas, diferentemente da família, cuja opinião pesa em 54% dos casos.
Entre os entrevistados, 45% dizem-se católicos e 34%, evangélicos.
Questionados sobre diversas questões sociais, 60% dos eleitores discordam da afirmativa de que “as pessoas procuram ajuda financeira do governo porque não querem trabalhar”. Também foi rejeitada, por 69%, a ideia de que posse de arma aumentaria a segurança no país. Metade da população, porém, defende a pena de morte.
Continua alta (76%) a concordância com a afirmativa de que “no Brasil, homossexuais sofrem muita discriminação”. Quanto ao sistema de cotas para negros em universidades ser justo, 49% concordam e 46% discordam.
O direito ao aborto (de mulheres interromperem a gravidez com segurança, caso queiram) não foi aceito por 58% dos entrevistados. E para a maioria deles (72%), o meio ambiente não é bem protegido no Brasil.
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Na pesquisa, 62% dos eleitores brasileiros disseram ter vergonha do Brasil, e 38% gostariam de morar em outro país.
— Está cada vez mais forte essa vergonha de ser brasileiro, de falar mal do Brasil, de se sentir mal com relação ao sistema, sobretudo ao político brasileiro. Entre os jovens isso assusta ainda mais, porque 70% têm vergonha. E temos um país em que quase 40% das pessoas querem ir embora, porque não estão vendo esperança. É com isso que os candidatos vão se defrontar na hora de conversar com o eleitor. Eles serão capazes de oferecer algum diálogo sobre a estrutura política, sobre o que o eleitor entende como as mazelas do sistema político, sobre a corrupção? Porque é isso que o eleitor está esperando — diz a diretora Elga Lopes.
Para a professora Marisa, além da pandemia há questões de longo prazo envolvidas nesse desencanto, como o fato de pelo menos um quarto dos jovens brasileiros não estar nem estudando, nem trabalhando, conforme levantamento do terceiro trimestre de 2021, feito pelo IBGE.
Entre os entrevistados, 58% são das Regiões Sudeste e Sul, 26% do Nordeste, 8% do Norte e 8% do Centro-Oeste, sendo que 37% vivem em municípios com mais de 50 mil e até 500 mil habitantes.
O maior grupo (47%) tem até o ensino fundamental completo. O público é formado por 45% de pardos, 44% de brancos e 10% de negros. Os ocupados são 60%, enquanto 30% se disseram fora da força de trabalho; e 45% têm renda familiar de até dois salários mínimos.
A maioria (55%) diz não ter posicionamento político. Do restante, 21% dizem ser de direita, 11% de esquerda, 9% de centro e 4% não sabem ou não quiseram responder.
O resultado da pesquisa foi debatido no programa TV Senado Live. Assista aqui à íntegra.
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